A Fundação Médica do Rio Grande do Sul (FundMed) é uma das entidades patrocinadoras do livro Beca, Canudo e Protesto: contestação e irreverência nas formaturas da Faculdade de Medicina da UFRGS de 1974 a 1990, de autoria da jornalista Elisa Kopplin Ferraretto e do professor da Famed Elvino Barros. A obra recupera episódios peculiares ocorridos, durante 17 anos, nas solenidades de colação de grau da Famed/UFRGS. Nessa que é uma das mais tradicionais instituições de ensino gaúchas, onde o rito e a pompa das formaturas têm importante caráter simbólico, ao longo do período as sucessivas turmas modificaram a tradição das cerimônias, como forma de protestar contra problemas do ensino e do país ou refletindo o contexto social da época. Nenhuma escolheu um paraninfo entre seus professores e muitas não tiveram homenageados. Algumas, ainda, aboliram o uso da beca – vestimenta distintiva da comunidade acadêmica – e modificaram o protocolo formal, introduzindo elementos lúdicos nas solenidades. Esses fatos tiveram grande impacto na Faculdade e na sociedade e, em diversos casos, repercussão na imprensa, inclusive nacional.
Tudo começou em 1974, quando os formandos decidiram não escolher paraninfo nem homenageados, como forma de protestar contra a precarização do ensino durante o curso, decorrente da reforma universitária implementada pelo regime militar. O impacto da quebra ritual foi tão grande que virou duas vezes notícia nacional na Veja, uma das principais revistas semanais à época. Em 1975, a turma elegeu como paraninfo o professor e ex-diretor Sarmento Leite, falecido 40 anos antes, e, como homenageados, Osvaldo Cruz, Vital Brasil, Carlos Chagas, Adolfo Lutz e Noel Nutel, sanitaristas todos também já mortos. Com isso, os formandos desejaram sinalizar a queda na qualidade do ensino médico e seu distanciamento da realidade social brasileira. Em diferentes anos do período relatado, houve, ainda, formandos que preferiram escolher, a título de paraninfo, no lugar de professores, um prédio – a antiga sede da Famed, na rua Sarmento Leite, que deixou de pertencer a ela em 1974 – ou instituições – a Santa Casa de Misericórdia e o Hospital de Clínicas de Porto Alegre –, por considerarem terem sido mais relevantes em sua formação.
Em 1979, inconformada com a sequência de protestos, a Congregação (na época, o órgão diretivo máximo da Famed) suspendeu a formatura. Os estudantes, porém, organizaram uma solenidade por conta própria, na Assembleia Legislativa, na qual o orador da turma, Gilberto Schwartsmann, pronunciou um discurso todo escrito em versos. Em 1980 e 1981, também não foram realizadas formaturas oficiais, apenas eventos simbólicos organizados pelos próprios estudantes.
Em meados da década de 1980, os formandos, além de seguirem sem paraninfo, aboliram o uso da beca e introduziram diferentes elementos lúdicos nas solenidades, como forma de expressarem seu anseio por liberdade em meio ao processo de redemocratização do país. No final da década, embora persistisse a ausência do paraninfo e da beca, para a maioria das turmas esta já não representava uma forma de protesto, apenas tinha se incorporado ao que os alunos conheciam desde o ingresso na Faculdade. Foi a ATM 1990/1 que retomou todos os elementos do ritual, formando-se de toga e escolhendo como paraninfo o professor Luiz Rohde. Mas a ATM 1990/2, embora dividida, voltou a fazer um último protesto, com ausência de ambos elementos, encerrando o ciclo.
Mesmo que tal episódio tenha se estendido por 17 anos, não existia qualquer registro sistematizado a respeito, permanecendo apenas na memória dos protagonistas dessa história. Por isso, para recuperá-la os autores coletaram mais de 100 depoimentos de médicos e médicas das 22 ATMs formadas no período (até 1985, apenas uma turma graduava-se a cada ano). Também resgataram convites de formatura, discursos, fotografias, publicações na grande imprensa e em jornais estudantis e institucionais, além de realizarem ampla pesquisa bibliográfica para a contextualização do momento histórico.
Beca, Canudo e Protesto, com 352 páginas, é escrito na forma de uma reportagem e traz diversas imagens para ilustrar a narrativa. Os autores ressaltam que o apoio da FundMed foi essencial para viabilizar a publicação da obra, que será lançada em breve pela editora Libretos. O livro contou, ainda, com o patrocínio da Associação Médica do Rio Grande do Sul (Amrigs), Sindicato Médico do RS (Simers) e Unicred Porto Alegre.