Aconteceu na quinta-feira, dia 09/12, às 19h, de forma gratuita, no canal do Youtube da FUNDMED, a última live do Projeto Social Tabu das Cores. Após quatro apresentações, as quais tiveram o seu início no mês de agosto, o ano de 2021 terminou com o Dezembro Vermelho. Assista na íntegra.
“AIDS: uma epidemia político-social” foi o tema escolhido para ser debatido no mês de conscientização e combate ao HIV/AIDS e outras Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST). O objetivo do projeto é propagar informações relevantes sobre questões de saúde pública que necessitam de espaço e reflexão.
A apresentação contou com a participação de Carla Almeida, Coordenadora do Grupo de Apoio à Prevenção da AIDS no Rio Grande do Sul (GAPA/RS), aluna do Programa de Pós-Graduação do Instituto de Medicina Social da UFRJ e integrante da Coordenação Executiva da Articulação Nacional de Luta contra à AIDS – ANAIDS.
Inicialmente, foram apresentados dados do UNAIDS, enfatizando que entre os anos de 2010 e 2018, o Brasil registrou um aumento de 21% no número de casos. Além disso, segundo Boletim Epidemiológico de HIV/AIDS, publicado pelo Ministério da Saúde em 2020, o Rio Grande do Sul é o Estado que apresenta a maior taxa de detecção do Brasil, são 28,3 para 100 mil habitantes.
Essa estatística é ainda pior na capital Porto Alegre. A cidade apresenta uma taxa de 58,5 a cada 100 mil habitantes. Este valor é mais que o dobro do Estado e quase 3,3 vezes maior que a taxa média do Brasil, que apresenta 17,8%. “O Rio Grande do Sul tem se mantido junto com Porto Alegre […], tem ostentado um dos primeiros lugares no cenário epidemiológico brasileiro, representando não só uma das maiores taxas de incidência, mas principalmente uma das maiores taxas de mortalidade do Brasil”. Dessa forma, observa-se que “quando a gente olha para o cenário epidemiológico do Rio Grande do Sul, a gente tem indicadores o suficiente para afirmar que aqui no Estado a gente tem uma epidemia de AIDS generalizada”, declarou Carla Almeida.
Na sequência, a palestrante destacou o impacto da Covid-19 para as políticas de HIV. “A pandemia de covid-19 impactou de forma severa nos serviços […], a gente chegou a ter uma redução, em torno de 40%, nas ofertas de diagnóstico de HIV no Brasil, teve uma redução também na rede de assistência”, frisou.
Apesar de sensível, o conteúdo foi abordado de forma a compartilhar com os espectadores meios adequados de tratamento e prevenção. “A gente sabe que uma das barreiras principais para o acesso aos serviços de saúde e, até para o diagnóstico, […] é o preconceito e o estigma que permeiam viver com HIV e AIDS. A gente avançou no campo biomédico, mas a gente não avançou no campo da desconstrução do estigma, do imaginário coletivo […]”, pontuou Carla.
Dessa forma, por meio do projeto social Tabu das Cores, a FUNDMED visa desmistificar assuntos difíceis de serem falados abertamente, promovendo conexões entre ciência, academia e sociedade. Confira abaixo algumas perguntas e respostas abordadas durante o evento:
Nós corremos o risco de ficar sem o atendimento SUS e medicamentos para HIV e AIDS distribuídos pelo Governo?
Segundo Carla, a resposta brasileira ao HIV e AIDS foi escolhida, no início dos anos 2000, como a melhor do mundo. Ela ressaltou que isso só foi possível porque essa resposta brasileira se ancorou em alguns pilares. Em outras palavras, estratégias que combinavam a incorporação de tecnologias de saúde com ações de garantias de direitos humanos. Contudo, salientou que dos anos 2000 para cá houve um esvaziamento desses pilares. “Hoje temos uma resposta para HIV e AIDS que se reduz a disponibilização de antirretroviral, reduz a uma resposta no campo biomédico, que é insuficiente para responder a uma epidemia como a AIDS, que é uma epidemia político-social”.
Na visão da palestrante, “a resposta ao HIV e AIDS só foi possível ser construída, porque a gente tem um SUS, porque temos o SUS universal, integral e equânime”. Além disso, enfatizou que a disponibilização no SUS, do antirretroviral, é uma conquista do movimento social, ancorado na Constituição Cidadã. Saúde é um direito do cidadão e um dever do Estado. Porém, Carla ressaltou que apenas a disponibilização dos medicamentos é pouco. “A gente não pode se conformar […] a gente tem que garantir vida e vida é muito mais do que remédio”, apontou.
Qual o fluxo para conseguir acesso ao tratamento de PREP no Rio Grande do Sul?
Primeiramente, sobre o assunto, Carla ressaltou como o preconceito impacta na vida das pessoas, consequentemente, impacta na não adesão ao tratamento. Disse ainda que o lugar onde as pessoas mais são discriminadas são nos próprios serviços de saúde. “As pessoas que vivem com HIV e AIDS tem seu sigilo sorológico, que é um direito, quebrado pelo serviço de saúde. Um exemplo disso foi o que a gente viu na vacinação de Covid-19, quando enfrentamos inúmeros desafios”.
Sobre o tratamento, salientou a complexidade: “[…] exige um tratamento e uma linha de cuidado muito bem estabelecida e que ofereça um suporte multidisciplinar para as pessoas. As pessoas precisam do remédio, precisam de consultas com infectologistas, mas precisam de acesso a serviços de saúde mental”.
Por fim, destacou que, atualmente, há uma diversidade de possibilidades de prevenção, isto é, estratégias medicamentosas, entre elas a PREP – “Profilaxia Pré-Exposição”. A PREP contém orientações e estratégias complexas que são disponibilizadas junto com o medicamento para que a pessoa possa pensar em uma prevenção prévia. Já a PEP – “Profilaxia Pós-Exposição”, refere-se ao caso de exposição ao risco sexual. Em caso de exposição, Carla alertou: “teve exposição, em um período de tempo mais breve possível, nunca excedente a 72 horas, procure uma unidade de saúde, neste caso, […] as UPAS, que são a porta de entrada”. Além disso, enfatizou que “é possível viver com AIDS sim, é possível viver bem com AIDS, mas é melhor viver sem”.
Os jovens atualmente parecem não ter mais medo da AIDS como se tinha antigamente. A ideia que HIV não mata hoje em dia é real?
Para Carla, “a gente tem uma tendência a culpabilizar as pessoas. É muito mais fácil culpabilizar os sujeitos do que compreender esse cenário de invisibilidade da pandemia de AIDS”. Sobre esse assunto, a palestrante questionou: “quais são os espaços que possibilitam os jovens a discutir sobre sexualidade? Problematizar as suas práticas sexuais? Sem fazer isso, a gente não consegue pensar em estratégia de prevenção”.
Consequentemente, tem-se que “quanto mais a sexualidade for para dentro do armário […] permeada por tabus, invisível, mais possibilidade de exposição, as pessoas tem […], a gente só procura informação sobre alguma coisa, quando a gente tem um gatilho para procurar”, ponderou. Além disso, sublinhou que as campanhas são fundamentais para fomentar as discussões públicas sobre a AIDS. “Vive-se em um Estado com uma pandemia generalizada. Porém, não há campanhas. Oferta-se um tratamento mínimo e culpabiliza os sujeitos que se infectam”.
A falta de informação contribui para o aumento de casos e a não aderência ao tratamento?
Na visão de Carla, a ciência vem, cada vez mais, trazendo informações que são fundamentais para que pensemos na qualidade de vida das pessoas que vivem com HIV e AIDS e, sobretudo, na desconstrução do preconceito. Essa informação, porém, não reverbera na sociedade. “A gente já sabe, por exemplo, que uma pessoa que vive com HIV e AIDS, tem a carga viral indetectável, ela não transmite HIV, mas de fato quem são as pessoas que sabem isso? Por onde essa informação circula?”, indagou. Carla ressaltou que essas informações ainda ficam muito enclausuradas no meio acadêmico, neste universo da sociedade civil, mas não conseguem transcender e chegar na população geral.
O que o GAPA faz?
Carla Almeida explicou que um dos braços do GAPA é o trabalho em controle social. O GAPA está presente nos Conselhos de Saúde, trabalhando de forma ativa e também nos Conselhos de Direitos Humanos. “A nossa estratégia de intervenção para o ano de 2022, é se dedicar nas comunidades. Se a gente vive esse cenário de iniquidade social que impacta tanto na epidemia, a gente tem que ir nas comunidades”. Ademais, o GAPA mantém atendimentos individuais, tanto por redes sociais, telefone como presenciais, sendo individual e mediante agendamento.
Qual a sua dica final para os espectadores?
Para Carla Almeida é preciso, “reconhecer que o enfrentamento da epidemia de AIDS é uma responsabilidade de ‘todes’ nós, é uma responsabilidade da sociedade. Essa epidemia que é complexa, que é diversa, que é plural e que nenhum de nós está imune”, apontou.
Por fim, sublinhou que “a AIDS está muito mais próxima da gente do que a gente imagina”, por isso, é necessário “[…] desconstruir esse lugar da AIDS como a doença do outro”. Nesse sentido, frisou que “a AIDS não é uma questão resolvida, a AIDS segue sendo um sério problema de saúde pública, especialmente no Estado do RS”, finalizou.